Submit your work, meet writers and drop the ads. Become a member
hi da s Oct 2017
toda cheia de vontade de ser um outro formato cheio de glória e que insiste em viver apesar do ar quente e sufocante dos quartos. menina levanta. pega com a mão. te suja. respinga aquela tinta e prepara tua boca pra gritar. não espera sentada nessa cadeira velha de ferro com essa espuma que conforta teu peso. aprende a respirar: inspira e expira. é fácil, olha. alguns fazem parecer bem simples, só que não é e tais enganada. o jogo tem muito mais chão do que imaginas. querias, é claro, dominar o mundo desde que chegasses. não é bem assim. precisas escrever muitas páginas ainda. foram só algumas mil semanas. procuras um motivo não é mesmo? mas sempre escolhes o mais fácil: não, eu não preciso disso. a vida te venceu sem fazer muitos movimentos. te parece injusto esse processo? parabéns. descobrisse como é que funciona o sentido de acordar todos os dias. olhar os rostos, o peso dos narizes, as curvas das orelhas e a largura das cinturas. essa criatura percebe quando alguém chorou antes de dar bom dia. levantou e continua levantando diariamente sem horário pra levantar. a porta independente de aberta ou não, vai falar aquilo que queres saber. falo pra ti ainda tudo isso? não vale a pena tentar organizar a ***** cinzenta. ela desprovem de gavetas. segurar a cabeça pareceu uma boa ideia. foi só por alguns segundos. perdes a paciência pra certas coisas muito rápido. ficas nessa insistência de não sei o quê. primeiro olha pra dentro e não dificulta tudo. não entendes o alfabeto com números. escreves até sem pensar e te atentas em preencher os espaços em branco. tua obsessão exagerada por tudo que amas e veneras chega ao absurdo. és aficionada por ti mesma e sabes disso. que lindo se apaixonar pelo espelho. que lindo se apaixonar pelo espelho. todos os dias. essas manchas todas dentro de ti parecem não acabar nunca. não dá pra ser abstrata. ser diferente. ela insiste em querer falar bonito. tudo que ela queria era arrancar esse fluído embolorado que persistem em crescer dentro. não admite que precisa encerrar o assunto. quanto tempo já passou desde que tu descobriu tudo isso? para de ficar fingindo que não vês a enorme pedra encobrindo as passagens. ficas tão inquieta que acho que nunca dormisse de verdade. acordas cansada. mais ainda do que quando colocas a cabeça encostada no travesseiro. pensas que tais viva e vivendo, mas não tais sorrindo com a frequência que deverias. certas palavras são escritas com mais fúria do que outras. cansada de falar ela só olha pro chão e põe a cabeça pra imaginar, e vai tão longe que nem mesmo aqueles quinze metros de pernas não conseguiriam alcançar. é tão bom escrever sem pressão, né? já sei que vais querer parar a qualquer momento por que lidar com o medo te faz recuar. tens medo do que mesmo? tens vergonha? teu corpo tem curvas que só a luz, a pele, o osso e o tecido conhecem. curvas essas que não se parecem com teu sustento. percebe-se que são coisas muito difíceis de traduzir. será que em outra língua tua conseguirias? tenho dó. francamente: o que vai ser de ti daqui cinco anos? te assustasse agora? enche um copo de água gelada e prende a respiração. dá dois, três, quatro goles. querias era gritar junto com aquelas três ou quatro músicas que andas suportando ouvir. pequenas respirações que parecem vir a partir da metade. afinal já fazem dez anos. querias ser jovem pra sempre? pois saiba que não podes. sentes o pesa da alma? a carga da perda e a falta de controle cada vez maior. vai acumulando tudo isso pra tu ver até onde vai dar. só choras quando o assunto é tu mesma. a história dos outros é bateria pra tua solidão incompreensível. quando é que vais parar de escrever? será que vais ler isso amanha e querer jogar fora? chegar de pensar em como os átomos só seriam visíveis com olho mágico. chega. não pensa assim. não tem saída não. o controle não é um simples objeto. não compara a um relógio, por exemplo. achas que três páginas vão ser suficiente? precisas de mais o que pra entender que nada funciona do jeito que a gente quer. aquela menina pode parecer burra mas pode estar vivendo feliz. para de especular. olha só, ela virou poesia. termina de escrever o que queres pro teu coração pulsar mais calmo. vai devagar. tens outras coisas pra se importar. parece meio bobo eu sei. nunca dá pra confiar no que se escreve. a linguagem é uma coisa difícil. complicado. tanto a, e, i, o, u. que besteira tudo isso. te deu vontade de riscar tudo que foi escrito até aqui. boba. não é perda de tempo se expressar. querias ficar calma não é mesmo? te presenteio com tua mão esquerda que gasta essa tinta. formas as letras e tens as palavras. agora uma frase. um ponto. mais outro ponto, e agora outra vírgula. fiz certo? fecha a porta, diz a tua mãe. teu dia finalmente tá acabando. e o espaço pra escrever também. surgiu aquela dúvida que te martela todos os dias: quanto tempo eu tenho até que morra? coças o olho esquerdo. um cílio torto que te incomoda. tocando a ponta saliente da unha do mindinho. a do pé, não a da mão. sinal de ansiedade. tais quase desistindo, né? tudo bem, falta pouco. vais poder se sentir vitoriosa e aliviada. pensasse naquela boca. esquece. nunca mostra isso pra ninguém. promete. a ansiedade aumentou um pouco. os olhos piscam cada vez menos. concentra. vai valer a pena esse tempo perdido? ao menos tais guardando todas as lembranças boas de tempos sombrios. que linda a caneta em ação. ainda não acabei de expurgar. você também não.
sobre tudo que senti em três páginas datilografadas.
Serafeim Blazej Sep 2016
Uma vez um garoto me disse
"Viva uma história que valha a pena contar"
Eu me apaixonei por esse garoto
E ele desapareceu, levando meu coração
Deixando minha mente lidar com os sentimentos

Por favor garoto
Devolva meu coração
Volte para mim
Devolva meu coração

Uma vez meu amor me disse
Para não esquecer de ser incrível
Para não esquecer de fazer cada dia melhor
Para não planejar o futuro
Mas viver o presente

Por favor garoto
Devolva meu coração
Volte para mim, por favor
Devolva meu coração, eu imploro

Uma vez eu conheci um garoto
Ele era radiante
Ele me amou com toda a sua energia
E eu me apaixonei, mas ele foi embora
E levou tudo de mim
E ele levou meu coração
E só deixou a casca para trás

Por favor garoto
Devolva meu coração
Eu estou de joelhos, implorando
Volte para mim
E devolva meu coração
Pelo nosso velho amor, por favor

Uma vez eu vi um garoto
Nós rimos juntos
Nós nos amamos intensamente
E então ele se foi
Me deixou para trás
E levou meu coração
E nunca mais devolveu

Uma vez eu reencontrei meu garoto
E ele me devolveu meu coração
E me deu também o seu
E desapareceu para sempre
Poema.
Era para ser uma música também.
Fazia parte de uma história.

("Once a boy")
Dayanne Mendes Oct 2021
O eco que a dor faz em meu peito,
e eu sei que eu sou o próprio responsável,
por sangrar assim...

Eu não consigo lidar,
lidar com tanto e tão pouco,
ao mesmo tempo que eu quero um fim eu não quero.

Se a gente pudesse pelo menos fingir que tá tudo bem,
Quem sabe não fica?
Eu não sirvo pra despedidas, não assim...

Se a gente pudesse ficar um pouco mais aqui,
deita no meu colo, eu te conto uma história pra dormir,
mas fica aqui.

Eu não sirvo pra despedidas meu amor,
Eu não sirvo pra pontos finais,
A gente poderia ser uma vírgula.

E depois a gente vê o que é que faz...
Joseph S Pete Apr 2017
Prototype robotic semi-trailer truck gets rolled out.
It’s tricked out with speed control, radar, lidar,
Autonomous braking, collision avoidance,
Sensors, cameras, GPS.

All manner of state-of-the-art tech replaces the driver,
The imperfect driver
Who needs to sleep, who stops to eat,
Who speeds, snorts amphetamines, smashes into hapless sedans.
The automated truck has no such weakness, ten-four good buddy.

"The driverless future," a suit boasts in boardroom.
Another job fades, like waning daylight
On that endless ribbon of highway.
Shortly, pitch darkness will descend
And envelop the countryside.
Laura Araújo May 2018
Eu
Sinto-me fraco e impotente

Quando ouço o que dizes

Só para me ver contente.

Nessa vã tentativa, eu sorrio

Para sentires que cumpriste o objetivo.

Dizes-me que estou cada vez mais frio

E eu calo-me para não ser repetitivo.

Recuso-me a explicar-te novamente

Que nada nem ninguém poderá mudar

O que vai na minha mente

E que ninguém me pode ajudar

Mesmo que tente incansavelmente.

É algo com que aprendi a lidar

Embora contra a minha vontade

E mesmo que tentasse explicar

Iria ficar pela metade.



Vou tentar:

Talvez assim me sinta menos cobarde!

É um sentimento que vem acompanhado...

Por estar neste estado

Acabo me sentindo culpado.

Culpado por ser insuficiente.

Insuficiente para o que quer que seja.

Só quero seguir de forma prudente,

Não é isso que todo o mundo deseja?

Sinto-me um fardo,

Não me leves a mal,  

Mas estou farto.

São os sentimentos que se atropelam,

Vozes na minha cabeça que não se calam,

Dúvidas que se interpelam

E outras coisas que me abalam

E me deixam ansioso.

A ansiedade gera medo

E o medo gera ansiedade.



É neste ciclo vicioso,

Entre medos e outros enredos

Que eu me encontro com a realidade.
Victor Marques Jun 2023
Viemos ao mundo nus,sem nada ,
De dia, de noite sem hora marcada.
Damos os primeiros passos na escuridão,
Metendo na boca o que vem à mão !


Parece que o mundo foi feito para sobreviver,
Procurando conforto e paz na descoberta de novos seres.
Atravessar a vida por vezes sem ninguém  do nosso lado,
Vivendo e morrendo sós com o coração despedaçado!


Tentamos direcionar nossa vida e por vezes não sabemos lidar com ela,
Vivemos e  morremos sem perceber o quanto ela é formosa e bela.
O homem parece querer viver isolado,
Pondo a sua felicidade de lado .

Solidão quem és tu sem sorrisos e compaixão,
Rosário da meditação e oração.
Contemplar tudo que nos aparece com medo e coração partido,
Solidão do mundo,  do desconhecido.


Sociedade em que vivemos  com guerra e sofrimento,
Fruto da falta de amor que nos leva ao isolamento.
Existe  alegria e penosa dor de por vezes estar caminhando sozinho,
Perdendo o odor de todas as rosas que florescem com carinho,
Solidão de um penar sem encanto,
Feita de dor e pranto.

Victor Marques



Solidão, isolamento, seres
Mariana Seabra Mar 2022
Sou uma hipócrita.

Como posso eu dizer que as palavras não importam, se é a elas que me agarro através da escrita?  

Que tipo de poeta sou eu se não fizer cada palavra importar?

Sou um desastre.

Demasiado sensível para não tremer de medo quando escrevo de alguém, porque só escrevo quando amo e amar faz-me fraquejar.

Sou fraca.

Não lhe quero dar o poder de me apegar, porque o apego gera saudade e isso é coisa que não sei lidar.

Sou insegura.

Quando tudo o que tu conheces é o abandono, chega a uma altura, não sei bem quando, em que és tu a abandonar, porque ao menos, assim, podes manter a ilusão de que tens algum tipo de controlo sobre a vida.

Eu, com controlo?

Não.

Sou só autodestrutiva.

Sinceramente, falo de futuro mas choro sempre que penso na possibilidade de ter um.

Às vezes, muitas vezes, sinto que a morte já me tocou, mas eu fiquei. Fiquei fria e insensível ao toque.

Fiquei à espera para ver quando fecho os olhos e não os volto a abrir. E o pior de tudo, há momentos em que anseio por esse dia mais do que anseio pela vida.

Sou humana.

Acho que o sou. Sei ser-humana tão bem, que ser-humana é isto, existir em dias assim.

Que desespero! Ser-humana é isto?

Bem dizia o meu amor “o arquiteto deste mundo não o desenhou para mim”.

Sou exaustiva.

Amar-me envolve um grande desgaste de carga psíquica, sei que sim, porque ainda me estou a tentar amar e há dias em que nem eu o consigo fazer.  

Mas ama-me na mesma, se o conseguires.

Sou um ser extremamente infeliz.

Descontente com tudo o que não me mova por dentro de forma intensa.  

Quero que me olhes nos olhos para o resto da vida e quero nunca mais te ver, para que não custe tanto quando estás longe de mim.

Sou impaciente.

Tenho urgência de sentir tudo, agora, já! Porque o sinto, agora e já, a toda a hora.  

Não sei não o sentir.

Sou um desafio constante.

Principalmente para mim mesma.  

Perdoa-me, às vezes só gostava de sentir que não sou assim tão difícil de desvendar. Basta olhar com atenção...  

Olhar e ver e observar.

Sou transparente e opaca.

Desvenda-me.

Despe-me sem medo.

Mostra-me que é possível partilhar esta solidão contigo.

Mas cuidado!

Estar comigo implica estar com todos os demónios e fantasmas, mergulhar nos recantos mais profundos e escuros da minha alma.  

Implica entrares na viagem, já ciente de que vai ser turbulenta, ciente de que vais desejar nunca ter entrado e vais até pôr a hipótese de saltar fora a meio.

Dá-me luz.

Sempre que a tiveres acesa, vira o farol para aqui, para que eu nunca me perca de ti e saiba sempre para onde voltar, mesmo nos dias em que me sentir totalmente perdida, desorientada e sem intenções de regressar.

Recebe este amor.

Este amor que é demasiado grande para caber só em mim.  

Aviso-te, vai com um pouco de dor.

Mas seria uma estupidez deixar-te pensar que há outro destino reservado que não acabe por desaguar em ti.
I - A Entrada

Abrem-se as portadas, para que todas as partes de mim possam entrar.
Entro, a custo, na sala escura do meu palácio mental. As portas já se tornaram difíceis de empurrar - pelo pouco uso a que as tenho condenado.
Não me sinto preparada. Nem sei se algum dia hei-de estar. Contudo, uma vez que os pés já atravessaram para o lado de lá, roubei-me a opção de fazer o resto do corpo recuar.
     Lá vou eu, sentar-me na mesa redonda do Eu.
Sinto mil olhos pousados em mim. Todos curiosos e com intenção de me analisar. Todos prontos para me dissecar. Logo Eu, que prefiro ter objetos de estudo, em vez de ser o objeto estudado. Então, tenho de me contrariar. Desta vez, não posso fechar-me na concha à espera que alguém a venha rebentar. Preciso de estar exposta a este desconforto. Sou a paciente. A que tem de manter os olhos abertos enquanto lhe remexem o cérebro à procura do tumor que me está a matar.
Quase podia jurar que seria visível a todos, este peso que circula no ar - denso como o nevoeiro que se levanta no mar...- um peso tão denso que podia ser cortado ao meio.
                       Mas só a mim veio cortar.
Olho em volta, a mesa está cheia de mim, não sobra um único lugar. Todas me observam, como se achassem que sei exatamente o que preciso de falar. Mas, não sei.
Tenho a firme sensação que estou prestes a ter de me enfrentar. É como se todas esperassem que, finalmente, me confessasse. Mas, não sei o quê.
Ou talvez saiba.
Ou talvez ainda me sinta demasiado fraca para o proclamar.
Sento-me na única cadeira da sala que dá para girar.
Estarão as outras mais firmes - ou serei eu que já perdi o chão?
Destravo as rodas, dou um balanço nervoso, preciso de uma distração que me ajude a começar.

Atenção a todas!
Silêncio na sala. Está na altura de confessar.

II - O Funeral

Antes de mais, devo-vos um pedido de perdão.
Sei que tenho estado propositadamente adormecida, num coma auto-induzido, uma anestesia emocional para que consiga continuar a andar. Desprovida da essência dual e humana que tanto me caracteriza. Tenho estado focada em sobreviver, a correr para a frente sem olhar para trás, na esperança de que, se assim for, os meus pensamentos não consigam apanhar-me. Posso dizer que, até já tentei aprender a voar, mas ainda não consegui sentir a liberdade que me falaram.
Tenho tentado adormecer mais cedo - e acordo várias vezes a meio da noite, para não me permitir sequer sonhar. Sinto-me tentada a mandar o meu corpo ao mar, sem qualquer intenção de mexer os braços para o fazer boiar.
Encurralei, num canto escuro da minha mente, a voz que se recusava a calar. Na esperança de que, se tapasse os ouvidos com força suficiente, não a ouvisse mais a chamar.
Pus correntes à volta do meu coração. Não queria que batesse, nem que uma única gota de sangue me traísse, nem queria sentir a minha própria pulsação. Mas ouvi uma voz dizer que as correntes são feitas de elos de ligação. E eu quis destrui-las também - porque até elas me levavam a ti.
Então, já não escrevo. Já não canto. Já não sinto prazer em sentir.

Todas de mim olham-me de volta, com o mesmo olhar de desilusão. Como se me quisessem esbofetear por compaixão. Como se não tivessem coragem de me provocar mais dor.
Sabem que não podem esmagar o que já se desfez, uma vez que já me estendi em lágrimas no chão.
O eco do silêncio é ensurdecedor.
Preferia que me partissem até eu cair num caixão.
Ao menos assim,
                                 o silêncio
                          daria lugar ao som.

III - As cinzas

Deambulo como um espírito que não encontrou passagem, sobre a areia molhada onde o mar deixou um beijo antigo. Lembro-me de todas as vezes que percorri esta mesma praia, esperançosa de me esbarrar em ti. Lembro-me do exato sítio onde te encontrei. E da exata rocha onde escorregaste, quando também me procuravas a mim.
Lembro-me do teu cheiro na minha pele - da sensação de casa que via no castanho do teu olhar. E quero esquecer que agora sou um espírito abandonado, sem o teu olhar para encontrar.
Lembro-me da tua mão na minha - de saber, com o corpo inteiro, que era ali o meu lugar. Agora, tento esquecer a ausência - a mão fantasma que ainda procuro apertar.
Lembro-me que já não estás aqui. Tento apagar os anos em que te conheci.
Lembro-me que tenho de ser forte - e tento esquecer a triste verdade:
que serei sempre fraca por ti.

Um coração partido não faz barulho ao estilhaçar. Não deixa uma marca que alguém possa ver. Chamam-lhe figura de estilo. Mas a dor é literal. Quem diz que ninguém morre de desgosto, convido-vos a entrar no meu palácio mental, e assistirem comigo, na primeira fila, ao meu próprio funeral.
O silêncio grita mais alto que qualquer lamento.
Quero gritar,

mas não me quero lembrar do porquê.

IV - A sombra da escrita

Aquilo a que resistimos, persiste dentro de nós.
E se o arrependimento matasse, eu já teria morrido. Ou talvez tenha mesmo morrido e ninguém reparou - além de mim.
Enterrei - vivo - o amor que me mantinha aqui. E agora, quanto mais fujo de mim, mais me sinto sozinha. Quanto mais longe vou, mais a minha alma definha.
Fica doente.
Pequenina.

A realidade é que não sei como não te amar. Não sei como esquecer todo o amor que senti. Ou como ignorar que isso me mudou. E não sei lidar com o facto de que nunca mais voltarei a permitir que esse amor exista. Que inunde e transborde. Que seja o ar leve que fazem estes pulmões vibrar.
Escrever só faz sentido
quando és tu o motivo que me faz sangrar. Escrever só tem sentido se for mexer na ferida,
                               e tu eras a faca
                                                     e a razão.
Então, fugi da escrita. Fugi de mim. Quero esquecer-me de tudo aquilo que já me fizeste despejar no papel,
porque não sei como voltar à escrita sem voltar a ti.
Só que já não há casa, não há ninguém para onde voltar.
O teu sitio está vazio. O teu assento já está frio. Já não há musica, nem escrita, nem literatura para nos unir.
Resta-me queimar estas palavras, segurar o papel ardente contra o peito
como se ainda pudesse aquecer-me com o que restou.
E tentar esquecer-me que, um dia, foste a minha fonte de calor,
      a luz que me guiava na escuridão...
O meu pirilampo mágico! A quem decidi entregar-me de alma e coração.

Hoje, parece tudo tão longínquo... como se nunca tivesses existido, como um sonho do qual acordei atordoada, como se tivesse gastado mais uma vida em vão.
Agora, a mesa está vazia. Já não sei qual de mim ficou para apagar a luz.  
Mas sinto-a, sozinha, em silêncio, à espera que volte(s).

V - A mesa redonda do Nós

Sentámo-nos, sem convite, cada qual com as suas vozes - umas sussurram desculpas, outras gritam promessas partidas.
Tu trazias o silêncio nos ombros,
   eu, a urgência de ser compreendida.
Entre nós, o tempo ocupava a cadeira do meio, com as mãos cruzadas sobre o colo, esperando que alguém lhe pedisse perdão.
Ali cabiam todas as versões de nós que tentaram - e falharam : a criança ferida, a amante que esperava demais, a amiga ausente, a que esperou à janela até ao fim do verão, e a que aprendeu a calar o amor para não o perder. Também ali estavam os que não souberam ficar e os que quiseram demais - mas na hora certa, ninguém os quis de volta.
Fizemos da mesa um espelho estilhaçado, onde cada caco refletia uma versão diferente do encontro.
Eram histórias ditas pela metade, afetos com ferrugem, promessas que nunca chegaram ao corpo, cartas que não foram lidas, beijos que não voltaram para casa, toques interrompidos por orgulho, olhares desviados na última possibilidade de ternura.

Tentámos ordenar o caos, nomear culpas, mapear o amor, dar à dor algum significado:
quem magoou quem,
quem fugiu primeiro,
quem se calou quando devia ter falado,
quem amou a quem em vão.

Mas o "nós" não se escreve em linha reta,
é espiral,
                 tropeço,
                                  é laço e corte.
É ponte feita de dedos trémulos, tentando ainda alcançar.

E entre cacos, alguém - talvez tu - ergueu um gesto quase imperceptível:
um "ainda" dentro do "já não",
um "pode ser" suspenso no "acabou".

Então brindámos,
não ao passado, mas à remota e terna possibilidade de voltarmos a encontrar o amor
                                    não como foi
mas como ainda pode ser:

mais paciente,
                            mais honesto,
menos medo,
                            mais presença.

Um brinde a isso!
À flor que cresce entre as pedras,

ao reencontro verdadeiro,

mesmo que não seja imediato.
                 
Ao amor que regressa, se soubermos esperar com o coração aberto.

No fim, servimos silêncio em taças de cristal.
Um brinde à tentativa!
Às ruínas que ainda brilham.
Ao facto de termos tentado.
Um brinde a estarmos ali,

ainda que partidas,
                                    
                                      ainda que tarde,

ainda que nunca cheguemos a consenso.

Porque amar é tentar,
mesmo quando falha.

VI - Final

Talvez um dia, ouça a porta a ranger,
e outra de mim entre -
sem pressa, sem medo.
Talvez nem se sente,
apenas acenda a luz.

E nesse gesto, silencioso, haja uma oportunidade de começar de novo.

— The End —