No Douro, entre Céu e Vinha
No anfiteatro de socalcos,
o Douro ergue-se como oração,
pedra e videira entrelaçadas,
mãos de homens atarefadas,
vivendo em comunhão...
Deus habita aqui,
na lágrima do sol que cai sobre o rio,
no céu alaranjado que se desfaz em brio,
no cântico escondido das aves,
no rumor das folhas ao vento, sempre suaves,
no zumbido que a noite recolhe em simpatia,
como quem embala a tristeza em alegria.
O vinho, fruto sagrado,
feito com amor desdobrado,
é comunhão, é missa sem tempo nem hora,
é respeito, é Deus, é memória,
é abraço partilhado à mesa do povo,
é corpo de terra e espírito de fogo,
que se oferece em cada copo matizado,
entre céu, vinha e pecado.
No alarido da natureza,
há silêncio que fala à noite, ao luar,
há o mistério de Deus por contar,
a tocar cada rama, cada galho,
cada coração que precisa de agasalho.
E quando a noite cobre os montes,
com véu de prata e murmúrio de frescas fontes,
fica-nos a certeza de que o Douro é saudade sentida:
aqui se reza sem palavras,
aqui se ama sem medida,
aqui o homem e Deus
são vizinhos eternos para sempre,
terra e vinha, sua semente.
Victor Marques